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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

... mais possibilidades.

Fragmentos Possíveis - Vol. IV


Meu primeiro tomo comprei de um desses livreiros que não existiam mais já naquele tempo. Uma encadernação bem costurada, capa em couro com letras douradas um pouco apagadas que liam "Fragmentos possíveis - Volume III".
Senti-me conquistado pelos aforismos, pela poesia, pelos ensaios. Tratava-se de uma peça literária única, literalmente: não havia indicação de editora, autor ou mesmo ano de publicação. Algumas passagens estavam em português, mas havia outras tantas em muitos idiomas diferentes que me proporcionaram muitas noites de árduo e gratificante trabalho. Eu parecia ter encontrado um novo combustível e aquela foi uma das melhores fases de minha vida.
Passaram-se alguns anos de contentamento até que eu decidisse iniciar a busca pelos dois volumes faltantes. A procura em si encheu-me de ansiedade e tornou-se verdadeira obsessão: ao longo de quinze anos esgotei grande parte de minhas poupanças, rodei duas vezes o mundo e fui reduzido a um esboço do que já havia sido.
Encontrei o Primeiro Volume em um vilarejo frio de Portugal: páginas em pergaminho, presas por uma capa de couro mole presa por um tipo de cinto com fivela. O Segundo Volume comprei de um cigano na Turquia: capa dura e páginas de um papel amarelado, com manchas e marcas de traças. A cada um dos achados, uma nova onda de trabalho de traduções, interpretações e até mesmo diversas publicações. Escrevi alguns livros inspirados naqueles fragmentos, consegui alguma fama e até uma pequena fortuna.
Por medo de perdê-los, tranquei os três tomos em caixas de acrílico, isoladas, com temperatura e umidade controladas, longe de qualquer olhar curioso que não o meu.
Foram-se já outros vinte anos desde que encontrei o último volume e sinto um vazio insuportável na existência. Novamente há ansiedade e incerteza e me pergunto se há um Quarto Volume, um tomo que renove minha paixão pela vida, que me salve de meus próprios pensamentos.