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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

tristeza na cidade.

Amanhã



Os carros passam pela avenida sem cessar, mas não os ouço mais.

É noite. Talvez o silêncio seja na verdade escuridão.

Chega um helicóptero inaudível. Sua luz não me cega, mesmo apontada para mim.

As pessoas param, falam. Mas não falam, pois não as escuto.

Tanta gente parada. A cidade não para. A cidade não silencia. Mas não ouço mais a cidade.

- Você não gosta mais de mim? Por que me ignora? Nem por educação me responde.

Todos dizem que a cidade é fria e, em seu silêncio, percebo isso. Fria, cada vez mais fria.

Sinto seu abraço, seu beijo. Me roubam o calor.

Sinto sua aspereza em meu rosto, me toca a face com mãos de concreto... ou de asfalto?

Me querem separar de você, mas não quero ir. Não me importa o silêncio, fico com você.

Sinto suas lágrimas quentes em meu corpo... quentes como nunca antes.

- Não chore, meu amor, ficarei aqui contigo. Sempre.

Somem as pessoas, os carros, tudo. Restamos nós.

Durmo no seu colo, no seu abraço. Deixe que amanhã é outro dia. Faremos as pazes.

Amanhã logo chega. Amanhã tudo se resolve. Amanhã

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

decepções no passado.

Minas


Um escravo trouxe o ouro. O havia encontrado no leito do riacho que movia o moinho do engenho.

A cana perdeu seu doce e o engenho ruiu. O aluvião era mais atraente e a casa grande ficou maior ainda.

O rei também gostou.

Os traficantes também gostaram.

O escravo morreu em segredo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

entropia.


moto-contínuo


Foram mais ou menos dez minutos. A traça voava e rodopiava na sombra, sem deixar o quarto escuro.


Imaginava se o inseto não gostava da luz. Se havia uma barreira invisível no limiar da porta. Se meu olhar curioso era o que a impedia de passar à luz.

Levantei-me, enrolei o jornal recebido naquela madrugada e mandei a pobre criatura de corpo e alma para o reino do amanhã. Não encontrei traços dela nem na parede, nem no jornal e nem no chão.

Sentei-me com a dúvida. A traça estava lá, ou eu a teria imaginado? Eu me levantei, ou apenas sonhei? Estava vivo, ou já não era mais?

Não sei quanto tempo se passou, mas fiquei outra vez intrigado com uma traça que hesitava em sair da escuridão.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

tranquilidade.

Mão única

Por muitos dias, dona Emengarda estava naquele vai e não vai. Durante anos parecia adiar o inevitável e, de tanto que durou, diziam que os biscoitos da viagem já até estavam duros.
Viveu alegremente e sempre cercada da amorosa família - uma simbiose perfeita. Quando ela ficou entrevada na cama, não deixou de sorrir e sempre tinha consigo alguém para lhe fazer companhia.
Mas as noites ela passava em claro, com dores que nenhum unguento poderia curar. Enquanto seus acompanhantes dormiam, ela contornava a escuridão pelo caminho mais longo. Foi isso que a fez fraquejar no final.
Seu sorriso saía menos natural e as frases muito entrecortadas. O brilho dos olhos já quase sumira e, então, todos se desesperaram.
Família religiosa, chamaram padre, pastor, rezador. Médicos muitos e os quartos da casa lotavam de parentes. Ao mesmo tempo havia sempre cerca de quinze pessoas no quarto com Emengarda. Não dormia, e mal parecia respirar.
Foi nesse estado em que a encontrei. Eu trabalhava de motorista de praça e me foi confiada a tarefa de levar o sobrinho preferido até a velha antes do fim derradeiro. De tão agradecida, ela quis me ver.
Até então nunca tinha visto cena igual: um bando apinhado em volta da cama, sentados em cadeiras contra a parede, chorando a morta que ainda não era. Ela quis me segurar a mão e senti-a tão fraca que o coração pulou uma batida.
A senhora está cansada? O sorriso acompanhado de uma lágrima me fez entender que estava exausta. Não sei bem porque, mas pensei em como alguns colegas de profissão andavam em marcha lenta para tentar poupar combustível e fazer o carro andar mais tempo com seus passageiros.
Me inclinei e lhe falei isso ao ouvido. Ela pareceu entender, pois seus olhos brilharam um tanto mais.
Mal saí do quarto e pude ouvir-lhe designar tarefas a todos. Vá buscar pão na padaria. Você, passa um café. Os dois aí, ao poço pegar água. Se entrasse alguém no quarto, logo era despachado para outro canto. Em pouco tempo estava sozinha para encostar no meio fio.
Nem cinco minutos se passaram e quando voltaram para lhe trazer o café estava sem vida na cama. Sem vida, sim, mas em sua face notava-se o alívio. Depois me disseram que eu fiz bem, que ela precisava se livrar do peso da família para poder passar.
Na verdade, se ela demorasse muito, eu teria de dormir naquele lugar. Sempre gostei de minha própria cama.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

o desfecho de um reencontro.

Poeira na luz
(continuação)

Resolvi tomar café numa padaria perto de casa. Uma média com um pão na chapa. A falação, os aromas e o sabor me faziam lembrar os anos passados da faculdade, do começo da profissão. O saudosismo me alegrou por pouco tempo e logo precisei sair daquele lugar.

Olhava em volta em volta e pouca coisa parecia ter mudado. O tempo parecia ter parado e apenas eu não havia tomado ciência do fato. O trabalho me ofuscava a visão. Primeiro pela afirmação pessoal na carreira escolhida, depois, a busca pelo dinheiro. Aquelas ideias de riqueza não me deixavam ver que as linhas das mãos cresciam a cada dia.

Meus pés me conduziam num trajeto alheio ao meu pensamento. A mente sabia apenas das lamúrias. O café provara-se mais amargo do que o desejado. Reconheci aquela última rua. A rua da faculdade. Havia muitos anos não passava por ela. Muitas lembranças de alegria, raiva e angústia. Quando se é jovem tudo é tão dramático.

Então por que eu ainda não esqueci?

Como se o pensamento invocasse uma existência, lá estava ela, saindo da faculdade pela porta da frente. De longe parecia a mesma, tão bela quanto há uma década. Me viu e então não soube o que fazer diante de tanta alegria. Seu abraço me fez lembrar a primeira vez que a tive em meus braços.

Como tem passado? O que tem feito? Onde está morando? Já casou? Por que não? Volta sempre à faculdade? Vamos almoçar? Sim.

Antes do almoço ela tinha outras coisas para resolver. Era professora em nossa antiga faculdade e já trabalhava em seu doutoramento. Fui à barbearia, duas ruas adiante, tentar arrumar a aparência.

Barba e cabelo feitos, encontrei-a num restaurante do Centro. A conversa foi boa e aquela hora passou como se fosse um minuto. Caminhei com ela de volta à faculdade. No caminho seus braços encostavam nos meus e ríamos das histórias do passado.

Na despedida disse que deveríamos fazer isso mais vezes e concordei, sabendo que poderiam passar mais dez anos sem a ver. Trocamos cartões de visita e algo em meu olhar deve ter denunciado meu desânimo com o futuro. Disse-me que ligaria aquela noite para conversar mais, segurando em minha mão com delicada firmeza. E então soltou.

Sorri, despedi-me e ela entrou. Caminhava olhando para o chão quando senti uma mão sobre meu ombro e a pergunta: por que você sempre foi tão controlado? Beijou-me. A indescritível sensação de voltar a ser adolescente, ter a juventude fluindo nas veias. Olhou-me com brilho nos olhos e sorriu, mordendo o lábio inferior. De noite te ligo!

O resto do dia trabalhei, pois assim o tempo passava sem eu perceber. Queria a noite. Ela ligou e conversamos por quase duas horas.

Ao me deitar a luz amarela da lâmpada ainda deixava evidentes as marcas do tempo, mas com um toque o quarto foi inundado com a luz branca da Lua. Apesar da previsão do tempo afirmar o contrário, o céu estava limpo e o brilho cheio. Senti-me renovado. O tempo parecia não pesar mais sobre o corpo e as lembranças voltaram a ser doces. Acordaria na manhã seguinte novo em folha. pronto para continuar a aprender. Tomaria café da manhã na padaria em boa companhia no dia seguinte - e em muitos outros.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

conto de reencontros.

Poeira na luz

Acordei quase sentindo a juventude primeira no corpo, chamado de meus sonhos por um inconveniente raio de Sol. A luz encontrou o ângulo perfeito entre as cortinas e atingiu em cheio meu rosto. Virei e revirei até que o retângulo luminoso atingisse meus dedos.

Naquela luz nova minha mão também parecia jovem, mas a magia durou um piscar de olhos: na pele já surgiam marcas, dobras e os sinais de que o tempo não para, mesmo que a gente insista em não lhe contar a passagem. Todo o resto em meu quarto foi lançado na escuridão e me senti preso numa caverna - minhas sombras na parede eram aquelas projetadas pelos indícios da vida vivida em cada ruga de meus dedos imóveis.

E o tempo mesmo parecia suspenso, pois aquele ponto de luz parecia não sair do lugar e eu já sentia como se tivesse passado toda a minha memória em revista. Pensei que pudesse estar morrendo. Depois pensei estar louco, mas li em algum lugar que essa dúvida é indício de sanidade.

Levantei-me e realizei todos os rituais matutinos. A vida, naquela altura, parecia reduzida àquilo: rituais, paramentos, rotinas. Diante do espelho já não via mais minha imagem. Não reconhecia aquele sujeito. Não queria.

Matei o dia de trabalho e fui andar sem rumo pela cidade. Um lugar tão grande, com tanta gente diferente, tantas culturas e tantos idiomas. Alguma novidade poderia encontrar.


Continua na próxima blogagem.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

técnicas.

Paisagem n.º 1, óleo sobre tela, 2012

A retomada de minhas atividades artísticas foi possível graças ao contato com muitos novos amigos de Cachoeira Paulista. No campo das artes plásticas eu destaco meu amigo e mestre, Roberto Mendes.

Sob sua orientação estou praticamente reaprendendo a pintar e o resultado ficou até que bom... E nossos colóquios artísticos alimentam não apenas a técnica, mas também o olhar e a sensibilidade, que devem ser companheiros constantes de qualquer pessoa - especialmente os que pretendem se arriscar nas artes.

Esta foi a primeira tela concluída em muitos anos e me agradou por demais o processo de crianção... outras virão.

domingo, 1 de julho de 2012

fantasmas.

Virada da serra

Contou-me meu pai que as tropas seguiam por uma picada no meio da mata fechada, pra cima de onde morávamos, muitos anos antes de abrirem a estrada de automóveis.

O arraial ficava duas léguas pra baixo de nossa casa, pelo caminho da serra, e até a cidade eram mais ou menos seis léguas de viradas e perdidos caminho da serra acima. Uma vez por mês a tropa subia o caminho, parando na casa de meus avós, e descia alguns dias depois carregada de mercadorias.

A tropa contava com uma dezena de cavaleiros e alguns animais de carga e supriam o arraial com produtos que não se podia produzir por alí, além de levar o queijo das fazendas para vender na cidade. Numa das idas, um de meus tios acompanhou os cavaleiros para concluir uma compra de terras em nome do meu avô e contou aos mais imãos e primos mais novos o que havia se passado.

Enquanto subiam ele ficara para trás por conta da falta de habilidade na condução do cavalo e, na virada da serra, tentou descansar para alcançar o resto da formação. Quando o caminho atingia o ponto mais alto e iniciava uma descida abrupta e o desfiladeiro passava do lado direito para o esquerdo, meu tio jurou ter visto um vulto. Disse ainda ter ouvido um choro de criança.

O medo o fez disparar na descida, colocando em risco até a montaria. Não falou nada a ninguém e isso o fez ficar ainda mais angustiado.

Os tropeiros foram vender e comprar, enquanto meu tio foi tratar dos negócios da família. Não visitou a casa de tolerância e nem foi aos bares, como era de seu hábito, tal foi a impressão daquele susto na virada da serra.

Chegada a data do retorno meu tio ficou apreensivo. Tentou seguir colado aos companheiros, mas ficou novamente para trás - a subida da volta era ainda mais íngreme e traiçoeira. Agravando a situação, a manhã estava mais escura que o normal e o abismo à direita parecia não ter fundo.

Na virada da serra estava sozinho. A tropa não estava por perto e não se ouvia o barulho dos cascos dos cavalos. O vulto não passou: permaneceu parado no meio do caminho.

Era uma criança e chamou meu tio. Mas errou o nome: chamou pelo meu avô. O medo o fez ficar calado e a aparição percebeu seu erro. A criança entrou na mata, como se procurasse o caminho do desfiladeiro na direção do arraial.

Um dos companheiros da tropa apareceu, chamando meu tio para que se juntasse ao grupo. Terminou a viagem sem uma só palavra até que se viu a sós com meus avós, quando contou o acontecido.

O avô riu-se todo, acalmando seu filho mais velho dizendo que os tropeiros pregavam essas peças com os de fora do grupo. Meu tio não estava muito convencido, mas preferiu esquecer, logo depois de assustar os mais novos com o causo.

Anos depois, quando o governo abriu a estrada de terra para os automóveis, encontraram ossos de uma pessoa na altura da virada da serra. Eram ossos muito velhos e ninguém fazia ideia de como haviam chegado lá. Ainda mais intrigante, eram de uma criança.

* * *

O avô de meu avô havia proibido qualquer um de falar sobre o acidente na fazenda. Mandou levarem o corpo para um lugar alto, longe da casa. Pouco tempo depois nasceu meu avô e deram a ele o nome - e a identidade - do filho mais velho, enterrado na virada da serra para ocultar a vergonha da família.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

notícias de amigos.

Lançamento do Tempo

Em janeiro deste ano o amigo Raphael Pousa apresentou aos leitores ansiosos o seu "Tempo cru", publicado pela Editora Multifoco pelo selo Vale em Poesia. Na época escrevi um artigo sobre o evento e sobre a obra... e não é que foi parar n'O Lince.


E sobre o livro do Pousa... é poesia de verdade. Procure o autor no Twitter: @raphapousa

quarta-feira, 27 de junho de 2012

histórias de desamores.

Corrente

Ela havia começado a fumar por influência dele. Não que o pegasse fumando ou fosse pressionada para que o fizesse, mas sentia o aroma do tabado mesclado com o cheiro de seu perfume e vinculou sua imagem dele àquela fragrância única.

Por isso, para mantê-lo de forma constante na mente, começou a fumar e comprou o mesmo perfume para usar.

Sentia uma paixão imensa, grande desejo e também amor. Ao menos dizia para si mesma que era amor. Como desejava que fosse também amor.

Mesmo assim, sempre que conversavam, nunca dizia que o amava. Nem mesmo que o desejava. Falavam sobre trivialidades, banalidades - nada de importante. Nada que a fizesse espantar o frio na barriga que sentia toda vez que estava com ele.

Foram longos anos e sua angústia crescia. Precisava dizer.

Mas um dia ele apareceu com a noiva. Casariam-se em maio. Ela ficou arrasada: largou do cigarro e trocou de perfume. Nem mesmo um momento juntos tiveram.

Um amigo tentou confortá-la da melhor maneira que pôde e, para tentar desviar seus pensamentos, perguntou, com sincera curiosidade, qual era o perfume que ela então usava. Secretamente pretendia usá-lo.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

homenagens.

Felicidade


Hoje o texto não é um conto. Hoje não tenho uma ilustração para apresentar. Hoje não vou inventar nada. Só por hoje, a coisa toda é real.

E qual é "a real"? Estou feliz e contente: um projeto que viu a luz do dia e agora tem corpo, tem vida e alcançou amigos, conhecidos e mais algumas pessoas.

Tenho esperanças ainda de que estenda seus tentáculos por muitos outros cantos, toque outros olhares e seja a causa de sentimentos - mesmo que de repulsa (poderia sentir-me um Osvald!).

Meu livro de contos, "Apocalipse, ontem", editado pela Penalux, foi lançado e agora pode ganhar o mundo! Ou ao menos alguns leitores...

Aos que estiveram no evento, meus agradecimentos. Aos meus pais, minha irmã e meus amigos que também são minha família, não existem palavras para dizer o quanto a homenagem de vocês me tocou. Sim, pois a presença de vocês foi simplesmente o melhor tributo que poderia esperar.

Aqueles que não puderam estar lá, mas que nos guardavam em seus pensamentos e seus corações, também agradeço: o apreço e o afeto de todos é a força motriz de minha criatividade.

E mais projetos assim virão - ah! se virão...



PS: aos que desejarem:

sexta-feira, 15 de junho de 2012

domingo, 3 de junho de 2012

sonhos.

Ela


Goste de jazz e
Beethoven também.

Ouça rock alternativo, clássico
e um pouco de pop, 
se gostar.

Goste de Caravaggio,
Miguel Ângelo, Leonardo,
Portinari, Malfatti e Tarsila do Amaral.

Leia Marquez, Borges
e os Andrades todos:
Mário, Osvald e Carlos Drumond.

Goste mais do dia que da noite.
Menos do Sol que da Lua.
Mais do frio que do calor.

Que dance a valsa, não axé;
foxtrot, não fãnqui.

Leia o que escrevo, veja o que desenho
e não sinta vergonha de mentir
afirmando ser tudo maravilhoso.

Que seja eternamente meu sonho
ideia sem matéria,
forma sem correspondência neste mundo.
Ela habita noutras paragens:
Campos Elísios dos meus sentimentos.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

ritmo?

Ciranda

O rico tinha uma amante pobre.

O pobre tinha uma amante rica.

Conheceram-se todos em dia de promoção na casa de suingue.

terça-feira, 29 de maio de 2012

astrologias.

Separação

Estavam juntos. Um cantava sobre a Lua que brilha lá no céu. A outra cantarolava A Lua Girou.

Ao nascer do Sol, a paixão terminou.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

emoções investidas.

Sinos

Enquanto os sinos tocam no campanário eu procuro na multidão. Havíamos acertado de nos encontrar na pequena praça da matriz, na hora da primeira missa. Enquanto todos assistem ao culto, poderemos conversar, ela me disse.

A ansiedade me faz parecer assustado, que é justamente meu estado, pois tenho medo de não encontrá-la no meio de tanta gente. O repique intenso quase elimina o som das pessoas, ou elas realmente ficam quietas à sombra da igreja. Também estou quieto. Me pergunto se terei coragem de tentar sobrepujar o campanário e gritar quando a avistar.

Já estão quase se acabando os toques que clamam pelos fiéis. A multidão fica mais e mais rarefeita e ainda não a encontrei. O coração quase cessa suas batidas quando o último sino canta.

Silêncio e solidão. Passo a vista pelos bancos, árvores e o carrinho de pipoca. Nada. Sem que eu perceba o coração perdeu algumas batidas e voltou ao normal. Compro um pacote daquela pipoca doce colorida para adoçar a boca.

Pago com uma nota sem esperar troco. Cordial, o pipoqueiro sorri e se despede. Até domingo que vem.

Até.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

ideias antigas, ideias futuras.

Vidência

Ele via o passado de tudo o que tocava. Ela, o futuro.

. . . 

Um dia ela teve uma visão: perderia o amor de sua vida sem poder ao menos conhecê-lo.

. . .

Anos depois, ele se sentou na mesma cadeira, noutro café, e viu que há muito perdera a chance de conhecer verdadeiro amor.

. . .

Na velhice, ela já não via mais nada. Ele, lamuriava os anos vazios que passaram. Sempre foram vizinhos.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

um conto pequeno.

Referência

Procurava em toda parte aquele livro. Embaixo da cama, na escrivaninha, sobre o armário de roupas. Banheiro, sala, cozinha. Não poderia ter desaparecido, pois era importante - e mais que necessário naquele momento.
Sabia que nele poderia encontrar a frase que há dias parecia dependurar-se precariamente dos limites da memória. Desesperadamente, agarrava-se à esperança de encontrar aquele livro tal qual o náufrago agarra-se à tábua de salvação. As esperanças do amor são sempre dramáticas.
Dizia a si mesmo que, se encontrasse o livro, se encontrasse aquela passagem marcante, poderia conquistá-la. Pelos artifícios da ficção, com as palavras de um autor sepultado há setecentos anos, poderia fazer brilhar o sorriso dela e iluminar seu próprio ânimo.
A procura só fazia aumentar sua angústia e pôs-se a rever todos os livros já passados em revista menos de uma hora antes. Era difícil dizer o que sentia e, então parecia muito mais fácil legendar seu afeto com o trabalho alheio. Há algum tempo se viam, mas sentia como se não fosse honesto o bastante para dizer o motivo de sempre querer vê-la.
Cansado de procurar, com medo de não ter forças ou mesmo a coragem de seguir adiante, abriu um outro livro qualquer e escolheu uma outra passagem. Sua escolha provou-se esteticamente superior. Dobrou, fechou e selou.
Semanas depois recebeu a resposta. Laços cortados e a promessa de não mais importunar a ninguém, se bem que com votos de sucesso e extrema cordialidade. Revendo o trecho, concordou: a escolha fora terrível. Se a intensão era das melhores, o discurso afirmava justamente o oposto do que pretendia comunicar: sua tentativa de parecer nobre a fez perdê-la.
No dia seguinte chegou um pacote do correio com o remetente dela. Teria reconsiderado? Um livro - O livro. Na primeira página encontrou o que havia escrito meses antes, na época em que se conheceram, quando a presenteou com aquela edição: "com afeto, abro aspas na página 142, sem intensão de fechá-las".

terça-feira, 15 de maio de 2012

sentimentos ocultos.

Pela manhã, bico de pena sobre papel canson

O café bem cedo. Ao longe, o som do trem na ferrovia. Os freios e os gritos. O inferno preto e gelado sobre a mesa envenena, enquanto o quadro, da sala, testemunha o calor do ciúme.

"Pela manhã" será outro conto do meu livro. Confirmando a data, mas, se puderem, reservem a data: 23 de junho!

Será uma noite interessante...

domingo, 29 de abril de 2012

previsões.

Edifício Memorial, tinta sobre papel canson

Lá está, o Edifício Memorial. Enquanto os vários edifícios da cidade são demolidos, o Memorial permanece como monumento de tempos passados... mas o futuro chega -  em silêncio.

Será mesmo dia 23 de junho, se tudo correr bem, o lançamento de meu livro de contos.... assim espero.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

futuros mais estranhos que o presente.

Estudo para Edifício Memorial - lápis

Ao que chegar em Cachoeira Paulista pela antiga Avenida Sarah Kubitscheck, é preservada uma belíssima vista da Serra da Mantiqueira. Sua preservação, contudo, não foi tarefa fácil: depois de muitas décadas de crescimento desgovernado, a cidade resolveu (por uma série de motivos) voltar às origens...

Restou apenas um edifício: o Memorial. Mas mesmo ele está condenado, numa cidade em que muito ainda acontece nas sombras dos antigos arranha céus abandonados.

Este estudo ilustrará um de meus contos no livro que lançarei em junho deste ano... mais novidades num futuro não muito distante...

sexta-feira, 13 de abril de 2012

mais passado.

Valparaíba, caneta técnica sobre papel canson

Há algum tempo tenho vontade de desenhar a velha Estação da Estrada de Ferro, em Cachoeira Paulista. Mas desenhar a velha; a atual estação apenas me serviria de objeto para uma ilustração de conto de terror...

Abutres tiraram-lhe metais, madeiras, cerâmicas e tudo o que se pudesse converter em dinheiro ou pedaços de conversa com os amigos. Daquele tempo antigo, só sobrou o esqueleto, ossos desprovidos de carne...

Em Valparaíba a estação era viva, mas em Cachoeira...

O desenho teve como base uma foto cuja autoria me escapa - retificarei a postagem assim que descobrir. Talvez o leve para o Salão de Arte da ACLA, se não fizer coisa melhor.

terça-feira, 10 de abril de 2012

mais finais (?)

fotografia com efeito posterização

A ideia é o final de todas as ideias, de todos os sistemas, todas as filosofias, todos os problemas... e o final de todas as soluções, de todas as esperanças.

Em resumo: o final. Quando acabar tudo o que há, nem mesmo tempo, nem espaço... antes e depois: nada mais.

A fotografia acima é um estudo de perspectiva para uma ilustração que nem sei se farei - ao menos não para o conto. Mas eu queria materializar uma ideia... alguns ajustes são necessários. Mas eu tenho tempo... espero.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

... mais silêncio na nave.

Pombos, caneta técnica sobre papel canson

A igreja vazia... Vazia? Mais uma ilustração para meu livro de contos. Como havia escrito antes, serão dezessete contos (se tudo correr certo), mas apenas cinco deles serão ilustrados. Em parte a escolha dos contos que receberão meus desenhos tem relação com a disposição deles no livro, mas são também alguns de meus favoritos.

A próxima ilustração programada é a do conto que abre o livro e será um desafio interessante... Imagine um arranha-céu numa cidade como, digamos, Cachoeira Paulista...

Mais tempo pra pensar e imaginar...

terça-feira, 27 de março de 2012

...mais projetos...

Esboço para Pombos

Escrevi uns contos (dezessete no total) e resolvi ilustrar cinco deles para uma publicação. Terminei um e estou na preparação de outro - esboço acima. São imagens ligeiramente interessantes - ou assim gosto de pensar.

Mais informações no futuro...

quinta-feira, 22 de março de 2012

In principio...

Itamonte; caneta do tipo Stabilo 0.4 sobre papel Canson; 2011.

Este desenho foi escolhido no I Salão de Artes da ACLA - Academia Cachoeirense de Letras e Artes, em 2011, mas não pretendo discutir os méritos da escolha. Apenas queria inaugurar o blog com algo que me dá algum orgulho.
Trata-se de uma represa na cidade de Itamonte/MG, conhecida como Represa dos Braga. Hoje ela está quase secando, o que é uma pena: a paisagem costumava ser deslumbrante, mesmo com a represa quase em ruínas - ou talvez por isso mesmo.

Willkommen!