Pesquisar este blog

sexta-feira, 18 de maio de 2012

um conto pequeno.

Referência

Procurava em toda parte aquele livro. Embaixo da cama, na escrivaninha, sobre o armário de roupas. Banheiro, sala, cozinha. Não poderia ter desaparecido, pois era importante - e mais que necessário naquele momento.
Sabia que nele poderia encontrar a frase que há dias parecia dependurar-se precariamente dos limites da memória. Desesperadamente, agarrava-se à esperança de encontrar aquele livro tal qual o náufrago agarra-se à tábua de salvação. As esperanças do amor são sempre dramáticas.
Dizia a si mesmo que, se encontrasse o livro, se encontrasse aquela passagem marcante, poderia conquistá-la. Pelos artifícios da ficção, com as palavras de um autor sepultado há setecentos anos, poderia fazer brilhar o sorriso dela e iluminar seu próprio ânimo.
A procura só fazia aumentar sua angústia e pôs-se a rever todos os livros já passados em revista menos de uma hora antes. Era difícil dizer o que sentia e, então parecia muito mais fácil legendar seu afeto com o trabalho alheio. Há algum tempo se viam, mas sentia como se não fosse honesto o bastante para dizer o motivo de sempre querer vê-la.
Cansado de procurar, com medo de não ter forças ou mesmo a coragem de seguir adiante, abriu um outro livro qualquer e escolheu uma outra passagem. Sua escolha provou-se esteticamente superior. Dobrou, fechou e selou.
Semanas depois recebeu a resposta. Laços cortados e a promessa de não mais importunar a ninguém, se bem que com votos de sucesso e extrema cordialidade. Revendo o trecho, concordou: a escolha fora terrível. Se a intensão era das melhores, o discurso afirmava justamente o oposto do que pretendia comunicar: sua tentativa de parecer nobre a fez perdê-la.
No dia seguinte chegou um pacote do correio com o remetente dela. Teria reconsiderado? Um livro - O livro. Na primeira página encontrou o que havia escrito meses antes, na época em que se conheceram, quando a presenteou com aquela edição: "com afeto, abro aspas na página 142, sem intensão de fechá-las".

Nenhum comentário:

Postar um comentário